segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


A CACHORRA DA MINHA MÃE




Chama-se Zuca.  O nome é da cabocla da novela de mesmo nome. Preta  retinta, tinindo de preta, a Zuca. Chegou meio de improviso. Minha mãe morando sozinha, nossa amiga Patrícia ligou para minha  irmã, oferecendo-a  como um presente carinhoso. Era a última filhote da ninhada de labrador. Querida na casa, ia ficar, mas a Patrícia, atenciosa, imaginou que minha mãe ia logo gostar dela, e ter uma alegre companhia. Dito e feito. Zuca  já é da família a oito anos.
Já foi uma novela levá-la de Belo Horizonte à Montes Claros. Vomitou o carro todo, meu cunhado que o diga, e por fim, chegou no colo da Tê, ambas desesperadas.
Zuca é mais ou menos, e literalmente, um cão chupando manga. Adorava roer uma perna de cadeira, e ainda hoje, comer a ração e beber água, não é uma cena muito bacana de se ver.
Não se pode dizer que não é generosa, adora entregar pra gente, sem recusa, seu osso  gigante, o frango de plástico, e qualquer porcaria que ela ache que pode ser assim, um presente...
Eu passava uns dias num final de ano na casa da minha mãe. Calor de torrar os neurônios.  Minha mãe disse, e não acreditei, que a Zuca descobria uns calangos no quintal, (pequenos lagartos, ou grandes lagartixas, ainda não sei), e “brincava” com eles. Jogava pra cá, jogava pra lá, os pobres sem saberem que era  só amizade, brincavam até a morte, quando ela então dava por encerrada a brincadeira. Só valia o bicho vivo, portanto. Custei a acreditar nisso, como não acreditava que ela abria o viveiro onde ficava o louro, o papagaio que a minha mãe herdou de uma tia muito querida.  E lá iam  os dois ,em fila, o papagaio à frente e a Zuca atrás, toda contente.O papagaio era uma estória a parte, pois cantava canções de sua própria autoria, como uma  que intitulei de “O pato”. Era mais ou menos assim: “ O pato é o papato, o pato é o papaaaaatooooo” e assim ia, até ficar rouco de tanto cantar.  Zuca ouvia meio enfeitiçada. Mas voltando à minha irmã canina, minha mãe gritou lá do quintal. A Zuca acabara de achar outro coitado e amigo calango.
A cena era de rir e de dar dó, ela esparramada, o corpanzil negro e brilhante no chão de ardósia. Entre as patas um calango de uns 20 cm. O bichinho ficava quieto, de repente corria. E a pata certeira, certamente a memória ancestral de caçador, cercava a presa. Então brincava,  jogando-a jogava pra lá e pra cá.  E a gente tentava fazê-la parar. Quer dizer, minha mãe. Eu corri pra longe da cena tragicômica. Só pedia notícias, de longe: “Soltou o bicho, mãe?”  “grita com ela, mãe”. Nada.
Minha mãe voltou para a sala, onde eu já estava, morrendo de “gastura”. Zuca irrompe, num golpe de vento logo atrás dela, como uma louca. Na boca trazia uma prenda para mim: o calango morto! Jogou no meu colo, toda feliz, como quem  diz :“ Olha o que eu trouxe pra você”.  Fiquei “levemente”  histérica.
Tranquei-me no banheiro, com uma crise de TOC, sabonete, água, álcool. Não necessariamente nesta mesma ordem.  Minha mãe garantiu que estava tudo calmo. Abri a porta  devagar, tentando visualizar a “monstra” negra. Estava deitada junto à porta da cozinha.
Corri para o quarto . Só ouvi o barulho do seu corpanzil batendo contra  a porta e a risada da minha mãe.