quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ANTONIO BANDERAS E EU




Apenas eu sabia que ele era El Zorro. No passaporte era José Antonio Domínguez Banderas. Conhecemo-nos em Cannes. Eu, naquela época já uma roteirista aclamada, especialmente pelo meu último texto adaptado para o cinema, “ O homem que veio do plástico bolha”. 
Acreditem, ele me amava, e amava meu arroz com pequi e carne-de-sol. Era uma delícia o seu sotaque quando dizia “pan de queixo”. Caía-me o queixo, o pão-de-queijo, e a sacola de pequis, fresquinhos, recém colhidos, ou melhor catados, pois trata-se do fruto mais generoso que a natureza já concebeu. Caem ao chão quando maduros, se dão à colheita, oferecidos na bandeja da terra. Lindo.
Mais lindo era ele. Já não sabia se o atava, quando dizia qualquer palavra. Dizia sempre “bueno, bueno”. Eu dizia “muy guapo”. Em nossa última passagem pelo festival de cinema e gastronomia de Tiradentes, naturalmente disfarçados, não era raro flagrar alguma namoradeira desavisada revirando os olhos para ele, e assoviando, de um modo tão... tão... absurdo. Mais um pouco arrastariam-se pelas estreitas ruas de pé-de-moleque, seus bustos coloridos, desesperados atrás do meu hermoso novio. Credo! Tivesse eu uma carabina, derrubava-as, uma à uma, de suas janelas. Ficavam no pensamento apenas, minhas idéias persecutórias e minha sede de vingança. Mi maravilloso amigo se encantou por ellas, las bonequitas periguetes. Já havia cinco, imensas, em sua bagagem. Pensei que já era hora de discutir a relação. Sim, meus caros, imaginem que fetiche é esse, o raio do espanhol, se arranca lá de Málaga (de “azul se arranca el toro del toril”), para iniciar uma coleção de bonecas namoradeiras de Minas gerais. Sem noção, demais da conta. Ficou tudo por conta da sua sensibilidade. Artista é mesmo assim, e a minha alma de artista, que já tanto havia sido tocada, pela beleza de suas personagens, em especial por El Zorro (repito que só eu sabia que era ele), reconsiderei, e lá fomos nós, nas madrugadas das estreitas ruas de Tiradentes, numa charrete, que para mim era carruagem, percorrendo a história viva daquela encantadora cidade. 
Na vertigem de uma qualquer madrugada, despertei com uma lufada de vento pela janela entreaberta. El Zorro estava saltando para o pátio da pousada, e ainda ví a dança da sua capa, quando se jogou do peitoril. Gritei inultimente. “vuelta mi José Antonio”... Nada. Voou talvez para sempre sobre os telhados antigos de Tiradentes e adjacências. Pensei ligar para Almodóvar. Não. Melhor ligar para Melanie Griffith, sua ex. Ligar pra ex de El Zorro? Tá maluca, me perguntei, já com o telefone na mão. O telefone tocou assim que o desliguei. A voz metálica da secretária eletrônica, tipo locutora de aeroporto, informa: “ São seis horas e 30 minutos”. Incrédula, olho para a janela imensa, por onde desapareceu mi novio. Já não há janela, nem namoradeiras na mala, nem quarto com cama de dossel (tão chique...), nem sinal do meu famoso e muy guapo amigo, José Antonio Domínguez Banderas, que só eu sei, El Zorro. A cara amarratoda e a boca com gosto de cabo de guarda-chuva molhado no leite, atendo novamente o telefone. “São seis horas e 35 minutos”. Me apraz responder, e respondo: 
- Que fuedase!



Sandra Fonseca